21.2.07

4 Jogando todas as cartas

_Hum-hum, anotei tudo. _ Angélica confirmou para Daniel que havia acabado de escrever seu endereço. Mas não era verdade, pois já tinha tomado nota daquilo muito tempo antes, quando a própria mãe do rapaz lhe dera. Ali ao telefone, porém, queria parecer que iria negociar tudo com ele e não que as coisas já estavam arranjadas. Esse foi um conselho deixado por Daniela.

A mãe de Angélica havia lhe dito que esta mulher poderia fazer com que tudo desse certo no Rio de Janeiro. Não que concordasse com a partida da filha, mas se isso tivesse que ser feito, então, que fosse com as maiores probabilidades de que desse certo.

Algo lhe dizia que a chave mestra na verdade estava com o dono daquela voz ao telefone. Como seria? Pela maneira como falava podia garantir que não estava muito motivado em contratá-la. Parecia cansado, com voz arrastada.

Isso era até ela se apresentar e mostrar tudo que era capaz, preferiu pensar assim para aumentar a auto-estima. Alinhou a postura, respirou fundo e sentiu que podia fazer aquilo. Mas na sua frente estava um pequeno impasse: Rique. O menino devorava o toco da maçã até às sementes.

_ Mãe, essa casa é de quem? _perguntou o garoto, quando eles chegaram na frente do casarão onde Daniel morava e abrigava sua casa de cultura.

_Eu pretendo trabalhar aqui. _ ela apontou com o dedo indicador esticado para a porta que se via através das frestas do portão. _ Só preciso que você fique muito quietinho, tá?_ ela piscou o olho para o menino e apertou a campanhia.

_Oi, eu sou a Angélica, que você falou pelo telefone._ identificou-se e antes que continuasse ouviu um “pode entrar” sem tom de boas vindas.

Daniel caminhou pela sala e antes de pegar na maçaneta ouviu a voz de sua mãe no ouvido: “Ela é diferente”. Só que o que viu não pareceu ser uma mulher futurista e sim uma... uma... mulher comum, vestida com uma saia comprida azul claro, uma blusa branca social com algumas riscas pretas e um pequeno brinco que brilhava na ponta de suas orelhas.

_Oi._ ela sorriu e apresentou seu filho. _ Esse é o Henrique, meu filho. Eu não tive com quem deixa-lo, espero que não se importe de eu traze-lo...

_Claro que não! _ Daniel riu._ Essa não é uma entrevista para uma multinacional. Aliás, eu nem sei se posso chamar isso de entrevista._ ele apontou para o sofá, onde se sentaram.

A campanhia em seguida tocou e ele levantou-se para atender o entregador de pizza.

_Gosta? _ perguntou para Rique, quando viu os olhos dos menino brilhar.

_Posso, mãe?_ ele perguntou com um gritinho.

_Rique, não... Ele... não..._ Angélica falou baixinho, sem graça.

_ Vem cá, menino, sua mãe deve estar morta de vergonha, mas não devemos estar com vergonha por sentirmos fome._ Daniel levantou a tampa da caixa.

_Uauuu... _ o menino ficou surpreso, fazia muito tempo que não via uma como aquela.

_Então, o que minha mãe falou para você._ Daniel perguntou pegando uma das fatias com a mão. Aquilo conseguia tirar completamente a atenção de Angélica. Como ele podia comer se desinfectar?

_Bem, ela me disse que precisava de alguém para administrar esse lugar.

_Eu preciso?_ aquilo soou mais como uma pergunta retórica. _ O que ela chama de administradora?

_Bom, eu me formei em administração. Sei fazer planilhas de pagamento, conferir estoques...

_..._ Daniel deu uma risada._ Você sabe o que é esse lugar?_ deu um segundo para a resposta, mas esta ele mesmo daria._ É uma casa de Cultura. Aqui a minha companhia de teatro ensaia, tem também aulas particulares... Enfim, como pode ver isso não é uma empresa.

Angélica olhou-o e percebeu que aquilo era um desafio à prova de sua capacidade, mas ela não deixaria com que ele provasse que não precisava dela:

_Você é a sua própria empresa. Se não tem planilhas de pagamento, tem planilhas de matrículas, de mensalidades. Precisa de alguém que atenda ao telefone, que agende seus compromissos, que pense tecnicamente, burocraticamente toda aquela parte chata, enquanto você fica livre para a arte._ Angélica respirou fundo, falara tudo aquilo muito rapidamente.

Rique parou de mastigar a pizza e olhou para o homem sentado ao seu lado, lembrou-se do que a mãe lhe dissera sobre pretender trabalhar ali e parece que aquele momento era o clímax da questão.

_É, eu preciso de uma pessoa assim. _ ele reconheceu. _ Mas uma pergunta. De onde minha mãe te conhece?

Angélica seguiu as recomendações de Daniela e repetiu exatamente aquilo que ela lhe indicara:

_Ela conheceu minha mãe na juventude e achou que eu poderia ajudá-lo a cuidar da sua carreira e da sua casa.

_Ok. É isso.

_Isso? _ Angélica levantou a sobrancelha.

_Vamos tentar, vamos ver no que vai dar, eu sempre fiz tudo sozinho, mas não posso negar que preciso de alguém. É isso.

_ Claro, não vai se arrepender. Agora... Sua mãe me disse que você tinha um quarto vago e que eu poderia ficar aqui..._ Angélica temeu que aquele ponto pudesse atrapalhar seu emprego que já estava quase certo.

_Aqui?_ ele franziu a testa.

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