18.3.07

Cap 13: Divisor de águas

Daniel saiu da casa de sua mãe com a cabeça martelando. Não queria retornar para a sua agora. Preferiu entrar no shopping, dar um volta, ficar sozinho. Na bilheteria viu o cartaz de um filme e decidiu assistir. Ocorreu-lhe que talvez precisasse abstrair tudo.

Patrícia já estava tão longe dele, magoadíssima por não poder estar na peça. Mas que peça? Agora que seus amigos também estavam com raiva dele e Angélica nem podia olhá-lo nos olhos depois de tudo que ele lhe dissera?

Ali, sentado naquela poltrona vermelha, da sala escura, ele não tinha responsabilidades, nem precisava dar respostas. Era só um jovem comum de jeans, em uma sessão vazia.

O filme não prometia nada, mas se encaixava perfeitamente com sua vida. Chamava-se “Letra e música”. Consistia na estória de um antigo astro pop que precisava compor uma música em uma semana. Ele encontra, então, uma mulher que a todo custo quer contratar como letrista, mas esta se renega. Em vários momentos Daniel se viu na tela e pensou que Angélica pudesse ser essa mulher. Deveria seguir os conselhos de sua mãe.

Ele assim que chegou em casa, encontrou na sala mãe e filho de mãos dadas, roupa impecável e passos de quem vão sair.

_Vão a igreja?_ perguntou. _Posso ir junto?_ se ofereceu antes de ouvir resposta para a primeira pergunta. _ Eu levo de carro.
_Oba!_ Rique pulou animado.
_Para quê?_ Angélica desconfiara daquela proposta, sabia muito bem o que ele pensava sobre suas crenças. De todo modo não poderia impedi-lo de ir.
_Rique, toma a chave e me espera lá fora, tá?_ ele se abaixou para falar com o garoto e deu um soquinho em seu ombro.
Agora à sós, colocou as mãos no bolso e olhou para baixo. Viu que Angélica calçava salto alto e usava um belo vestido longo florido. Perdeu-se no figurino e esqueceu o que iria lhe falar.
_Eu estou atrasada... E sei muito bem o que você pensa sobre...
_Eu vou ficar calado. Prometo.
_Daniel..._ ela riu, para tentar não perder o humor, nem a paciência._ Não precisa fazer isso como desculpa por ontem, não tem que ir...
_Eu tenho o direito de rever meus conceitos._ ele argumentou humildemente.
_..._ Ela coçou a testa, suspirou e o olhou nos olhos._Claro..._ Soltou as mãos ao longo do corpo e seguiu em direção a porta.
Ao chegarem de carro diante do prédio, pareciam uma família. Angélica adorou aquela sensação e não escondeu isso no sorriso que se abriu. A sensação de segurança era muito boa. Pensou em como Rique merecia que seu pai estivesse ao seu lado. Mas não era mais tempo de mágoas e nem flash back, porque a pregação iria começar.
Daniel ao lado de Angélica cumpria seu trato de ficar calado, no papel de mero ouvinte. Ele estava ali para entender melhor aquela mulher.
O homem polidamente vestido começou a falar sobre os pecadores e aqueles que eram do mundo. Em nenhum momento Daniel fez qualquer ar de deboche, soltou risinhos, ou balançou a cabeça para o lado, porque estava sobre a mira dos cantos dos olhos de Angélica.
Ele encarou aquilo como um laboratório, executando a prescrição de sua mãe.
_Você que é pai, que é mãe, não deixe seus filhos verem novela. É coisa do demônio. Você que é mãe, não deixe suas filhas ouvirem essas músicas imorais, porque depois ela vai aparecer grávida e você não sabe por quê.
Angélica começou a se sentir incomodada com o discurso, porque suspeitava que Daniel estivesse interiormente achando tudo uma grande estupidez e a julgando uma burra.
O homem continuou a descrever como deveria ser o comportamente daqueles que seriam salvos, separados e seletos para a glória final. Tudo terminou com uma belíssima música de um coral e a aparente família se dirigiu de volta ao carro.
Foi Angélica que quis romper o silêncio, quando chegaram em casa. Após colocar Rique para dormir, encontrou Daniel no escritório no lap top:
_Boa noite..._ fez um ar de despedida, mas Daniel fixou o olhar, entendendo que ela queria entrar e falar-lhe. _ Eu não entendi sua atitude hoje... Nem onde quer chegar...
_Eu critiquei ontem preconceituosamente o que você acredita. Achei que deveria me pôr no seu lugar para te entender melhor.
Por que ele precisava perder seu tempo entendendo sua empregada?, Angélica indagou-se.
_Não se preocupe, eu não vou discutir com você sobre nada que ouvi lá. Ao menos que um dia queira. _ ele deu de ombros e sorriu.
_... Tudo bem..._ Angélica abaixou os olhos, virou-se e saiu.
Daniel pensou se aquilo tudo de fato surtiria efeito. Mal ele sabia que era o divisor de águas de tudo que se sucederia.

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