15.4.07

Cap 18: Perguntas e respostas

Anderson encontrou Felipe jogando basquete próximo a sala de ensaios. Ele estava tentando arremessar a bola na velha cesta enferrujada presa à parede.

_ O nome disso é falta de ginga! _ Anderson tomou a bola e girou seu corpo ao redor do de Felipe, esticou os braços e acertou o aro.

_Sei! To vendo tua ginga! _ Felipe riu do ponto que o amigo não conseguira marcar e quicou a bola no chão. _ Aprende comigo...

_Aprender o quê? _ Anderson roubou a bola e enterrou. Seu corpo ficou suspenso no ar por uns segundos. Depois soltou-se e caiu em pé.

_Ok. Foi bonito. _ Felipe riu e eles se abraçaram.

Os dois se entreolharam e afastaram-se. Já fazia um tempo que uma força os unia e na mesma intensidade repelia seus corpos como um choque elétrico.

_Por que chegou tão cedo? Você sempre está atrasado..._ Anderson perguntou.

_Meu pai. Ele começou com aquele papo...

_Senta aí. _ Anderson apontou para a cadeira de ferro de dois lugares.

_Ele não aceita que eu faça teatro, diz que isso é coisa de... Ele acha que homem de verdade tem que arrumar um emprego de carteira assinada e com plano de saúde. Que eu nunca vou ser esse homem, mas um moleque sonhador.

_Eu sei como é. Por isso também saí de casa. _ Anderson passou a unha no relevo rugoso da bola de basquete que segurava no colo. _ Agora eu tenho a minha própria vida. Faço minha faculdade, dou minhas aulas de dança e não largo meu teatro... Enfim, eu sou dono de mim.

_Eu queria ser assim. _ Felipe disse-lhe.

_Para isso vai precisar largar algumas seguranças. Em contra-partida vai ganhar a liberdade que quer. Mas tudo tem um preço, cara. _ Anderson advertiu. _ Se quiser dividir o apartamento, já sabe.

_Valeu. _ Felipe encostou a cabeça na parede atrás do banco.

_Não gosto de te ver assim mal. Desculpe te falar, mas... Eu sempre te vi como uma pessoa infeliz, incompleta, como se você tivesse se tolindo...

_Onde quer chegar?

_... _ Anderson concentrou sua atenção na bola, tentou segurá-la com apenas uma mão. _ ... Não me faça perguntas que você mesmo tem a resposta.

_Vamos ensaiar? _ Angélica interrompeu o diálogo dos dois batendo palmas. Estava muito animada.

_Só se for agora. _ Anderson levantou-se e abriu a porta para que ela passasse.

Ele ligou o som e explicou-lhe os passos que tinha planejado para aquele ato.

_Essa música é bem sensual. Não existe um jeito certo de dançar, mas há um ritmo a seguir...

_Hum... _ Angélica colocou as mãos na cintura.

_Olhe para mim... _ Anderson retirou a camisa e ficou só de bermuda. _ Preste atenção na batida. _ aumentou o som e começou a dançar. _ Mexa a cintura de um lado para o outro, assim... _ ele parou de explicar e colocou suas mãos em Angélica, guiando-a. _... Isso, muito bem. Requebra de ladinho. Issoooo, garota!

Felipe, sentado no palco folheava o script. Ele não conseguia parar de olhar para o amigo. Concentrou-se nas letras impressas, mas a música e a voz de Anderson lhe perturbavam.

_Você tem que liberar tudo! Tira tudo de si... _ Anderson bateu palmas. _ ... Tenta fazer isso aqui, olha só...

Felipe não agüentou e levantou os olhos do papel. Engoliu em seco, sentiu que seu corpo estava esquentando, o coração acelerando. Por que essas coisas lhe aconteciam?

Anderson pôs-se atrás de Angélica e começou a mover o seu corpo com o dela, como se fossem um só, ondulando na batida do Funk. Ela colocou as mãos no rosto de Felipe e incorporou de vez o papel de Catarina. Felipe suspeitou que ela o estivesse provocando, dançando para lhe despertar o ciúme. Não, não, não! Eram maluquices de sua cabeça! Ela não sabia do que sentia por Anderson. Angélica não maldaria... Ou...

Felipe levantou-se irritado e avisou que iria chamar Daniel para o ensaio. Precisava respirar.

2.4.07

Cap 17: Arranhões na imagem

Rique sempre foi um garotinho muito esperto e observador, mas o excesso de cuidados de sua mãe Angélica o tornou indefeso socialmente. Nesta manhã de sexta-feira, ele sentiu na pele as conseqüências disso, quando chegou em casa de rosto arranhado. O boné deu conta de cobrir a marca do tombo que tomara, mas não seria muito fácil esconder do olhar verificador de sua mãe.
Estressado e cansado depois de pensar mil desculpas mirabolantes no caminho da escola para casa de Daniel, ele sentou na varanda de entrada. Parecia adiar a hora de encontrar com sua mãe.
Quem primeiro o viu foi Anderson, que chegou para o ensaio.

_E aí, cara, beleza?_ Anderson tirou o boné para colocar na cabeça e percebeu que Rique escondeu o rosto com a mão. _Iiiih, que foi isso?_ sentou no chão ao lado dele, colocando a mochila entre as pernas.
_Cai._ Rique não queria dar muitas explicações, continuou olhando para frente.
_Pô, aí, pensei que tivesse brigado com alguém... _ Anderson comentou.
_Minha mãe vai me matar. _ Rique segurou a cabeça com suas mãos.
_Por quê, cara? Tipo, tu teve culpa de alguma coisa?_ Anderson esticou as pernas e apoiou o corpo com as duas mãos atrás do seu corpo. Não aparentou se importar muito com o assunto para que Rique se sentisse a vontade.
_Um garoto lá da escola me empurrou e eu cai de cara no chão e me ralei todo._ o menino resmungou e Anderson percebeu seus cotovelos arranhados e manchados de vermelho.
_O que você fez para ele?_ perguntou.
_Ele disse que eu era um boiola, porque eu não sou da turma deles..._ Rique confessou, sem entrar em muitos detalhes.
_ Hum, sei como é._ Anderson percebeu que a situação era delicada. _ E você deixou barato?
_ Quando eu me levantei, o inspetor estava chegando...
_Cara, você não pode deixar eles fazerem isso com você não!
_ Mas a minha mãe vai me matar, quando a professora chamar ela na Escola. Eu estou ferrado!_ Rique estava em um estresse fora do comum.
_Não tem que ficar assim não! Você não teve culpa, tem que aprender a se defender! Vai deixar todo mundo passar por cima e ficar com essa cara de panaca?_ Anderson mostrou seu desagrado.
_ Ela nem vai querer me ouvir!
_ Se você não começar a mostrar a sua força, todo mundo vai passar em cima de você! Não é para você arrebentar ele de porrada não. Só que tem que marcar seu território, se impor, sacou?
Rique pela primeira vez sentiu que tudo não estava perdido. Talvez sua mãe não fosse brigar com ele se mostrasse por aquele ângulo que Anderson sugerira.
Angélica estava preocupada, isso dava para se perceber pelo seu passo apreçado e a mão segurando o pulso a fim de verificar a hora. Onde estava seu filho que não chegara esfomeado da escola?
Ela estancou e parou, assim que viu Anderson estava conversando com seu filho. Desde que soubera que ele era homossexual, ficou com o pé atrás. De que maneira ele poderia estar influenciando seu filho?
_Isso são horas?!_ Ela colocou as mãos na cintura e o olhou de cima. Rique lentamente levantou o rosto e Angélica levou a mão na boca com o que viu._ Mas o que é que fizeram com você?
_Ele se defendeu de um garoto da escola. Seu filho é muito forte! _ Anderson ficou de pé, junto com Rique e colocou seu braço em cima dos ombros do garoto._ Ele não deixa ninguém passar por cima dele, né?!
_É._ Rique concordou com a mentira e se sentiu importante.
_Hum..._ Angélica olhou para os dois. _ Já para dentro! _ exigiu apontando com o indicador para a porta de entrada.
_Tá. _ o menino obedeceu e deu um aceno para Anderson.
_Vai lá, cara..._ Anderson riu. _ E, aí, Angélica, vamos ensaiar hoje aquele ato musical da peça?
_ Mas é com você? Pensei que fosse com o Felipe. _ ela comentou e de repente teve medo de ter parecido preconceituosa, o que nem fora sua intenção. Na realidade, via Felipe se exibindo tanto, que não imaginava que teria que aprender alguma coisa com Anderson.
_Ah! Sim, ele gosta de dançar... Mas eu sou o professor de dança.
“Professor de dança, hummm...”, Angélica ligou alguns pontos soltos em suas teorias.
_Tudo bem, vamos sim. Mas antes eu vou dar uma olhada naquele garoto lá!
Angélica entrou e foi cuidar do seu filho, mas não estava tão chateada com ele. Suas concepções acerca de Anderson ocupava mais a sua mente.