Anderson encontrou Felipe jogando basquete próximo a sala de ensaios. Ele estava tentando arremessar a bola na velha cesta enferrujada presa à parede.
_ O nome disso é falta de ginga! _ Anderson tomou a bola e girou seu corpo ao redor do de Felipe, esticou os braços e acertou o aro.
_Sei! To vendo tua ginga! _ Felipe riu do ponto que o amigo não conseguira marcar e quicou a bola no chão. _ Aprende comigo...
_Aprender o quê? _ Anderson roubou a bola e enterrou. Seu corpo ficou suspenso no ar por uns segundos. Depois soltou-se e caiu em pé.
_Ok. Foi bonito. _ Felipe riu e eles se abraçaram.
Os dois se entreolharam e afastaram-se. Já fazia um tempo que uma força os unia e na mesma intensidade repelia seus corpos como um choque elétrico.
_Por que chegou tão cedo? Você sempre está atrasado..._ Anderson perguntou.
_Meu pai. Ele começou com aquele papo...
_Senta aí. _ Anderson apontou para a cadeira de ferro de dois lugares.
_Ele não aceita que eu faça teatro, diz que isso é coisa de... Ele acha que homem de verdade tem que arrumar um emprego de carteira assinada e com plano de saúde. Que eu nunca vou ser esse homem, mas um moleque sonhador.
_Eu sei como é. Por isso também saí de casa. _ Anderson passou a unha no relevo rugoso da bola de basquete que segurava no colo. _ Agora eu tenho a minha própria vida. Faço minha faculdade, dou minhas aulas de dança e não largo meu teatro... Enfim, eu sou dono de mim.
_Eu queria ser assim. _ Felipe disse-lhe.
_Para isso vai precisar largar algumas seguranças. Em contra-partida vai ganhar a liberdade que quer. Mas tudo tem um preço, cara. _ Anderson advertiu. _ Se quiser dividir o apartamento, já sabe.
_Valeu. _ Felipe encostou a cabeça na parede atrás do banco.
_Não gosto de te ver assim mal. Desculpe te falar, mas... Eu sempre te vi como uma pessoa infeliz, incompleta, como se você tivesse se tolindo...
_Onde quer chegar?
_... _ Anderson concentrou sua atenção na bola, tentou segurá-la com apenas uma mão. _ ... Não me faça perguntas que você mesmo tem a resposta.
_Vamos ensaiar? _ Angélica interrompeu o diálogo dos dois batendo palmas. Estava muito animada.
_Só se for agora. _ Anderson levantou-se e abriu a porta para que ela passasse.
Ele ligou o som e explicou-lhe os passos que tinha planejado para aquele ato.
_Essa música é bem sensual. Não existe um jeito certo de dançar, mas há um ritmo a seguir...
_Hum... _ Angélica colocou as mãos na cintura.
_Olhe para mim... _ Anderson retirou a camisa e ficou só de bermuda. _ Preste atenção na batida. _ aumentou o som e começou a dançar. _ Mexa a cintura de um lado para o outro, assim... _ ele parou de explicar e colocou suas mãos em Angélica, guiando-a. _... Isso, muito bem. Requebra de ladinho. Issoooo, garota!
Felipe, sentado no palco folheava o script. Ele não conseguia parar de olhar para o amigo. Concentrou-se nas letras impressas, mas a música e a voz de Anderson lhe perturbavam.
_Você tem que liberar tudo! Tira tudo de si... _ Anderson bateu palmas. _ ... Tenta fazer isso aqui, olha só...
Felipe não agüentou e levantou os olhos do papel. Engoliu em seco, sentiu que seu corpo estava esquentando, o coração acelerando. Por que essas coisas lhe aconteciam?
Anderson pôs-se atrás de Angélica e começou a mover o seu corpo com o dela, como se fossem um só, ondulando na batida do Funk. Ela colocou as mãos no rosto de Felipe e incorporou de vez o papel de Catarina. Felipe suspeitou que ela o estivesse provocando, dançando para lhe despertar o ciúme. Não, não, não! Eram maluquices de sua cabeça! Ela não sabia do que sentia por Anderson. Angélica não maldaria... Ou...
Felipe levantou-se irritado e avisou que iria chamar Daniel para o ensaio. Precisava respirar.