15.3.07

Cap 11: Guerra de nervos

Quando Angélica chegou no local dos ensaios da peça, Daniel não se encontrava. Pensou que estava atrasada, por causa do problema de um ventilador da sala de violão que teve que trocar.

_Você estão indo embora?_ Angélica perguntou sem entender porque eles arrumavam a mochila._ E Daniel, onde está?

_Não tem peça mais._Anderson explicou.

_Como assim? Cancelaram o ensaio?

_Não tem peça, nem para apresentação, nem para ensaio, nem para..._ Felipe estava muito alterado.

_ Daniel disse que não tinha condições de continuarmos sem a atriz principal..._ Taieko tomou a palavra, estava com um semblante de desapontamento.

_ Mas ele me disse que havia alguém muito capacitada para isso... Onde está a tal pessoa?

_Pergunte a ele! _ Felipe respondeu com raiva e jogou a mochila nas costas. _ Só é uma pena que eu tenha perdido meu tempo e tenham me feito de otário!

_O que está acontecendo, gente? _ Angélica parecia desnorteada. Foi deixada falando sozinha, enquanto os três amigos partiam cabisbaixos e desapontados.

Foi a vez de Angélica se enfurecer. Ela tomava conta de tudo ali e agora não estava sob o seu controle aquela situação. Mas quem ia escutar não eram eles.

_Rique, você viu o Daniel?_ Angélica perguntou para o menino sentado na sala.

_Ele está no quarto.

_Hum, obrigada, meu filhote!

Angélica deu três pancadinhas na porta de madeira, não estava nem um pouco preocupada em ser passada como inconveniente.

_Entra..._ Daniel autorizou depois que ela se identificou.
_Daniel, os seus amigos foram embora dizendo que não ia ter mais peça! _ Angélica colocou uma mão na cintura e com a outra ficou gesticulando. Parecia que só ela estava preocupada com a situação toda.
_É, não vai ter mais..._ ele respondeu olhando por cima do livro que estava lendo.
_E você me fala isso com essa calma? Deitado aí nessa cama? Cadê aquela história do seu sonho...?
_Não fazemos nossos sonhos sozinhos. _ ele respondeu.
_Onde está a tal atriz.
_... _ Daniel olhou-a fixamente, mas nada respondeu.
_O Felipe estava uma pilha! Por que ele deveria se sentir enganado?
_Porque..._ Daniel sentou-se e colocou os pés no chão. Falar as verdades era tão difícil, quanto manter a mentira:_... Eu contei para eles que nunca houve uma outra pessoa.
_Quê?_ Angélica inclinou o corpo para frente e fez uma careta de espanto.
_Eu tinha planos que você nos ajudasse, mas vi que nada te venceria, você está resoluta de que não pode, por que não é capaz.
_Eu não disse que não era capaz._ consertou ela.
_Bom, para mim você largou porque não era realmente para isso..._provocou-a.
_Também não foi por isso._ Angélica começou a ficar nervosa, mas tentou se controlar.
_Eu vou te contar uma historinha. _ Daniel levantou-se e foi até bem perto de Angélica, para que ficassem olho no olho. _ Havia uma garotinha que cresceu achando que ia ser bailarina. Ai um dia em uma prova, ela foi excluída. O jurado disse que ela era ruim. Muitos anos depois ela assistia a um balé e encontrou esse mesmo homem. E lhe disse que largou o balé e seguiu a sua opinião. Ele respondeu: “É você realmente nunca nasceu para o balé, porque eu falava isso para todo mundo, mas você não devia ter acreditado no que as pessoas dizem”.
_E daí?_ Angélica cruzou os braços e o olhou desafiante.
_E daí que você ouve demais tudo que te falam. Olha para você! Você não é nada. Não tem a menor personalidade. Você é uma latinha de sardinha dessas de supermercado que você pode pegar qualquer uma na prateleira, porque todas são iguais. O seu padrão certinho, o seu padrão boa mulher é só sua carapaça, onde você mora e se esconde. Porque você não sabe mais o que gosta, o que deseja, o que acha certo. Você é aquilo que outras pessoas projetam para você...
_Cala essa boca..._ Angélica o empurrou contra a cama e partiu para cima dele._ Seu idiotazinho, quem você pensa que é para falar assim comigo?!_ berrou e seu coque se desfez.
_Me bate vai?_ Daniel pediu com os olhos brilhando. Conseguiu ficar mais uma vez de pé.
_Eu não mereço ouvir nada disso! Você não sabe tudo que eu passei...
_Muitas coisas você passou porque você mesma deixou! _ Daniel explodiu.
_Cala a boca!_ Angélica virou a mão na cara dele de fazer um estalo.
Daniel foi para cima e a segurou pelos braços e a colocou contra a parede. Gotas de suor desciam agora pelo seu rosto.
_Não me bate, por favor... _ Os olhos verdes de Angélica o remeteram ao bebê da foto. Seu rosto ganhou contornos de terror que o levou por alguns segundos de volta ao sofá da casa de sua mãe.
Segundo Daniela lhe contara, Angélica fora uma líder estudantil muito forte, briguenta e revolucionária. Bem nessa fase rebelde freqüentou um curso de teatro, onde encontrou aquilo que mais gostava de fazer. Tudo mudou, quando ela conheceu o pai do seu filho. Ele era um homem muito ortodoxo com suas crenças religiosas e em pouco tempo conseguiu fazê-la mudar completamente todo seu estilo de vida, inclusive largar o teatro, mudar suas roupas e seus hábitos. Só que esse homem de terno e gravata, após saber que ela engravidara dele, rejeitou-a completamente e a difamou para toda a comunidade religiosa da qual ela participava. Angélica, viveu períodos de isolamento e muita tristeza. Sua mãe se mudou para uma outra cidade a fim de ajudar a filha a sair daquela situação. Mas havia um ópio do qual ela nunca conseguira se libertar: a ortodoxia religiosa. Deixara de ver novelas, de ouvir músicas da rádio, de ir a bailes, toda sua vida era seguir aquilo que ensinavam a ela. Em um ato desesperado sua mãe ligou para Daniela e pedira que ela arrumasse um emprego para Angélica no Rio e a fizesse sair daquelas amarras e voltasse a ser quem era antes. Um grande bônus nisso tudo é que Angélica conseguira se formar, por isso poderia se sustentar. Apesar dos anos, e de todo o passado, a mãe de Daniel soube ser solidária com a irmã e encarou o desafio de tentar salvar Angélica...
_Por favor, não faz nada comigo..._ Angélica começou a chorar e Daniel caiu de volta na realidade e desconfiou que ela estava projetando nele a imagem daquele homem que remexera com sua vida.
_Eu nunca te faria nenhum mal... Psiu... Olha para mim?!_ Daniel segurou seu rosto carinhosamente. _ Desculpe, desculpe. Esquece tudo que eu falei.
_Como quer que eu esqueça?_ Angélica saiu e trancou-se no seu quarto.

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